domingo, 24 de outubro de 2010

Quinze minutos com meus pensamentos

Eu sentia as consequências das minhas aflições em meu próprio corpo. Eu me sentia mal, se pudesse estaria rastejando, pois minha cabeça pesava, pesava demais. Eu poderia ter posto tudo a perder, ser grosso, transformar tudo em nada de um minuto para outro, mas decidi parar e prestar atenção em meus pensamentos. Eu estava sentando numa mesa larga, de madeira escura, com as mãos apoiando a cabeça. Fechei os olhos, respirei fundo e deixei que meus pensamentos vagassem livremente pelo espaço daquele quarto. Parecia que um filme passava na minha cabeça e eu estava repensando tudo aquilo que vivi, tudo aquilo que senti, tudo aquilo que provou, que me colocou e coloca em teste o tempo todo. Paciência, desespero, otimismo, talvez. Era como se eu tirasse-os e colocasse-nos em uma “penseira”, observando os próprios pensamentos boiarem naquela água prata e límpida. Eu vi que não valia a pena me desgastar por tão pouco e as vezes acabava fazendo tudo do jeito inverso. Eu inspirei profundamente, soltei o ar, inspirei e soltei vagarosamente e o sino começou a badalar. Eu tentava contar quantas badaladas aquele sino dava, mas perdia a conta facilmente. Aquele barulho tão distante parecia tão suave, era como se estivesse deitado em nuvens, voando, leve. Parece até que meus pensamentos adquiriam a forma humana e paravam de me rodear cada vez que o sino badalava. Depois acabou e o silêncio tomou conta de mim. Eu deveria fazer esta experiência mais vezes, pois é extremamente prazerosa e relaxante. Tirei meus sapatos e minhas meias, coloquei meus pés sobre a mesa, tirei meu óculos, cocei levemente meus olhos e inclinei para trás. Não, eu não iria dormir, mas queria aquela paz por quinze minutos, só isso. Eu pensava na minha vida, que boa ou não, era a minha vida. Óbvio. Como era óbvio o ser humano perceber que nossa vida possui fases, cujas não são as melhores sempre e o que vale é tentar se acalmar, é tentar relaxar, para não ter dores como eu tinha. Meus ombros pesavam tanto quanto minha cabeça pesou no começo. Agora não mais. Um cheiro entrava pela minha narina e eu ri. Era o odor que meus pés suados exalavam. Eu simplesmente ri daquilo e vi que estava na hora de tomar banho. Coloquei novamente meus pés no chão e fui a caminho do banho, deixar com que a água escorresse da cabeça aos pés, me lavasse de corpo e alma.

Um medo repentino

Psicose Nova-Iorquina - Capítulo V

- Melina, você é descontrolada? Você precisa de remédios, sinceramente.
- Átila, você acha que eu ia deixar barato? Não mandei aquela piranha mexer comigo, ela mereceu apenas.
Melina estava sentada na cadeira com os pés sobre a cama de Átila, onde ele estava deitado escutando a amiga desajuizada contar o que havia aprontado.
- Tudo bem que foi meio sem controle, mas eu gostei. Essa é minha garota!
- Tilanga, Tilanga, sou uma caixinha de surpresas.
Naquela tarde, os dois estavam de folga.
- Tilanga, vamos tomar café? Eu quero sair, seu quarto está quente, abafado e fedido, como sempre foi.
- E você sempre amorosa, doce, cheia de elogios.
Átila sentou na cama, colocou o tênis e foi se levantando. Saíram para a rua e foram até o café, onde Melina sempre ia. A garçonete veio, anotou os pedidos e eles continuaram conversando, rindo, se divertindo em qualquer lugar a qualquer hora. Melina foi ao banheiro e uma moça chegou na mesa em que Átila estava e entregou um papel com um número de telefone e um beijo. A garota saiu.
Louise 555-6352”
Ao perceber que Melina voltava, não conseguiu esconder o bilhete e a garota viu.
- Agora minha inimiga quer me atacar? Truque bem barato.
- Mel, até que ela é bonitinha. Com um charme eu pego ela fácil.
Melina olhou Átila com um olhar mortal até que a garçonete chegou e colocou os cafés e uns biscoitinhos na mesa.
- Filho da puta. Alana não te merecia.
- É brincadeirinha meu amor! HAHAHA
Ela jogou um biscoito nele e os dois começaram a rir. Aquela tarde foi muito agradável, mesmo com esse rastro indesejado de inimigo no território. Andaram pela Dacown Street, correram pelo parque e no fim da tarde foram para casa.
No dia seguinte, ela foi cedo para o colégio e pela tarde para o restaurante. Átila entregou rapidamente as correspondências no restaurante e disse apenas “estou atrasado, depois do trabalho eu passo aqui te pegar”. Mel entendeu que não daria para conversar naquela hora e acenou para ele. Ao final do dia, o chefe teve uma conversa com os funcionários, algo breve que acabou resultando em atraso. Quando Melina saiu do restaurante e viu que Átila estava conversando com uma moça, parou de falar:
- Desculpa pelo atraso, mas eu estav...
Parou diante daquela cena. Louise estava praticamente colada à Átila.
- Ok, Átila.
Começou a andar rápido enquanto Átila se despedia da garota e ia atrás dela.
- Ei, porque não me esperou?
- Acho que você estava suficientemente ocupado.
- Melina, que isso agora? Vai ficar com ciúmes?
- Não é ciúmes seu imbecil, mas você sabe o quanto eu odeio aquela garota. As vezes eu penso que você tem prazer em me deixar louca, se já não for.
- Para Melina!
- Se liga Átila!
- Porque não posso conversar com as garotas? Só porque você não gosta delas?
- A questão não é essa. Você apóia minhas atitudes com relação a essa garota e depois fica ai se esfregando nela? Belo amigo você. Daqui uns dias vai falar tudo o que penso a respeito, o que pretendo fazer. Não estou reconhecendo mais o Átila de antes, que tem prazer em humilhar quem merece.
- Para com essa psicose Melina! Para!
- Ou ela ou eu.
Saiu e se enfiou pelas ruas. Ao chegar em casa, sua mãe estava ausente como sempre foi e a garota se sentia mais sozinha do que nunca naquele momento. Bateu a porta e pegou o porta retrato com a foto dela e de sua mãe.
- Droga de falsidade!
Jogou na parede. Melina nunca tinha feito algo por aquele amigo. Sim, lágrimas molhavam seu rosto. Talvez o medo fosse maior que o ódio naquele momento.

Beijo doce

Psicose Nova-Iorquina - Capítulo IV

Melina chegou no colégio na semana seguinte e parecia que aquela semana seria mais tranquila, sem garotas enchendo ou caras pedindo seu telefone. Na sala ela conversava com duas meninas, Lavínia e Verônica. Não eram suas melhores amigas, mas tinha boa afinidade com elas. Quando precisavam, discutiam algo sobre a matéria ou mesmo riam e conversavam a aula toda. Lav e Vê, como eram carinhosamente chamadas, tinham até o mesmo estilo de Melina, curtiam rock e usavam roupas sem se importar muito com os outros. Naquela semana ela chegou no colégio e conversando com as meninas contou o que tinha feito, perguntou se elas saíram fim de semana e tudo mais. Lavínia disse que foi em um restaurante grego, por sinal maravilhoso e acabou conhecendo um rapaz. Trocaram ideias, conversaram bastante e ele parecia muito interessante. Já Verônica preferiu ir para a balada, beber e dançar.
- Lav, mas você não pensa em namorar com o cara não, ?
- Mel, não sei de nada ainda. Ele é bem interessante, mas eu queria sair com vocês sem compromisso também.
- Vamos combinar que não dá para ir a uma balada com namorado Lavínia.
Lavínia ficou pensativa e Verônica sorria. Inesperadamente a nojentinha da sala chegou perto das meninas e começou a irritar Melina como de costume.
- As notícias correm, Mel.
- O que você sabe? Que eu saiba não fiz nada demais e nada que diga respeito a você. Se ligue, otária.
- Fim de balada é mesmo tão interessante, não é Melina? Mas espere aí, será que você deu um fora no garoto ou ele não quis você mesma?
Dizendo isso se virou e foi para o grupo dela. Mel olhou para suas amigas e sorriu, mas aquele sorriso não era de quem deixaria barato.
- Ela verá.
Verônica disse:
- O que você vai aprontar?
- Na quadra eu conto, ou melhor, eu faço.
Passadas algumas aulas, as meninas saíram do laboratório e trocaram aquelas roupas brancas pelo short e foram para a quadra. As amigas de Melina também eram muito bonitas. Mesmo tendo poucos amigos, elas arrancavam olhares dos garotos.
- Olha, olha quem chegou: a pegadora e suas amigas estranhas.
Melina respondeu a altura:
- Somos tão estranhas que até seu namoradinho nos olha com um short curto e uma blusa colada. Se cuida hein.
- Não mexe com ele.
- Uh, eu acho que estou morrendo de medo. HAHAHAHA!
Provocando sua inimiga, saiu de perto e foi jogar. Os meninos jogavam futebol, enquanto as meninas se dividiram em dois times para jogar vôlei. A nojentinha combinava algo, cheia de segredos com as meninas do seu time e olhava imediatamente para ela, como se quisesse dar um aviso. Ao ver que o jogo começou (e muito quente por sinal), os garotos vieram para perto da quadra ver, abandonando bolas e coletes no campo. A cada ponto marcado, aquela garota comemorava com o time e beijava seu namorado, não desgrudando o olho de Mel em momento algum. Assim que a bola foi para fora, ouviu-se um grito:
- Sou eu quem vai sacar agora.
- Meninas, parece que a estranha vai jogar agora? Vamos Melina, impressione os rapazes. Quem sabe assim algum te olhará!
Dito e feito. Sacou, marcou ponto e os rapazes a olharam. Parece que sua adversária não gostou muito após flagrar seu namoradinho cochichando e olhando para Melina. Em um súbito ataque, começou a gritar:
- Sua vadia, tire o olho do meu namorado senão eu acabo com sua vida!
Escutou-se um estalo e Melina levou suas mãos ao rosto. Ela tinha levado um tapa. Enquanto os garotos gritavam “wow”, Mel se dirigiu ao lugar onde estavam os garotos, olhou para aquela menina e disse:
- Você pediu.
Deu um beijo no namorado de Louise. O cara do time de futebol realmente tinha gostado, porque não poupou apertos ou mesmo tentou interromper aquele beijo. O sinal tocou, Melina desgrudou dele e ao piscar para Louise, saiu andando. É, parece que dessa vez quem realmente atraiu os olhares foi ela, com sua cara desiludida sob prantos.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Madrugada quente

Psicose Nova-Iorquina - Capítulo III

Sai do restaurante na sexta mais cedo. Provavelmente com Alana viajando, Átila iria me ligar para irmos a algum lugar, já que com ou sem ela não deixamos de sair nunca. Eu fui dar uma volta e fui em algumas lojas atrás de um vestido básico, mas que ficasse legal em mim. Estava caminhando e meu celular tocou:
- Oi Átila.
- Mel, amanhã nós vamos sair.
- Eu estava esperando você dizer isso. Estou procurando um vestido barato para comprar. Onde vamos?
- Não sei ainda, mas estou avisando.
- Balada?
- Talvez.
- Beleza. Achei uma loja aqui, vou entrar e provar roupas. Depois nos falamos, beijo.
- Tudo bem, beijão.
Entrei na loja e comprei o vestido. Era lindo. Tinha um pouco de brilho, mas não era seda. A cor era fantástica, grafite. Era um tomara que caia colado ao corpo, curto e marcante.
Fui para casa, estudei um pouco física e me cansei. Dormi. Acordei sábado por volta das onze horas. Sábado era meu dia de folga, então eu não fazia nada o dia todo. Passei meu vestido e deixei no cabide enquanto procurava meu secador. Estava cuidando da minha pele quando liguei para o Tilanga:
- Decidiu onde vamos?
- Pancha
- Ótimo!
- O que você está fazendo?
- Cuidando da minha aparência.
- Af, garotas.
- Tenho que ficar bem lindona, pare de reclamar. Ah! Passe aqui as 9.
Desliguei e fui tomar banho. Como o dia passou rápido. Olhei no relógio que já marcava oito e cinco. Sai do banho, coloquei um roupão e fui fazer uma maquiagem caprichada. Coloquei o vestido, minha ankle boot, acessórios, passei perfume e escutei o carro buzinando.

- Estou levando uma chave e não sei que horas volto mãe, tchau!
Entrei no carro e nós fomos. Chegamos e entramos. Nossa, estava lotada aquela boate. O DJ tinha um som muito legal e assim que pegamos um drink fomos dançar. Aquela música, aquela luz, tudo era demais! A cada minuto eu tinha vontade de dançar mais ainda, como eu curtia uma balada. Percebi que um rapaz me observava a noite inteira, mas não liguei muito para ele. Eu estava ali para curtir e queria que todos se lascassem afinal, aquela era minha noite. Dançamos até altas horas e saímos de lá quando o sol quase nascia, até que um rapaz chegou até mim:
- Eu te vi dançando a noite toda e te achei muito atraente. Se você quiser sair fim de semana, é só me ligar.
- Pois é, percebi. Fiz cara de desdenho e quando me dei conta, ele estava me agarrando, estava tentando me beijar. Eu não estava bêbada, estava alegre e sabia muito bem o que eu estava fazendo e o que ele estava fazendo.
- Ei, não te conheço para você chegar me agarrando!
- Só um beijinho custa alguma coisa, gata?
- Não quero!
Eu empurrava ele, mas ele me apertava e aquilo já estava me irritando. Átila percebeu que ele não me soltava, desceu do carro e veio para cima dele.
- Amigo, ela já disse que não quer. Não quero arrumar confusão contigo, mas se você não soltar a coisa vai engrossar pro teu lado!
- Alá, a moça não aguenta brigar é?
É, ele não devia ter dito isso. Átila o empurrou e finalmente ele desgrudou de mim. Quando eu menos esperei, ouvi o barulho de um soco. O carinha já estava com as mãos no rosto enquanto entrávamos no carro para sair daquele lugar. O Tilanga não era violento, confesso que fiquei surpresa com a reação dele. Fiquei em silêncio por alguns instantes até que resolvi dizer algo:
- Não precisava ter batido nele, ele ia me largar.
- Se eu deixasse você lá, ele iria fazer coisa pior Melina, pode ter certeza!
- Valeu Átila, valeu irmão. Devo essa.
- Relaxa gatinha.
Ele sorriu, dei um beijo no rosto dele e fui para casa.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Possante de Átila

Psicose Nova-Iorquina - Capítulo II

A Dacown Street era uma das ruas mais frequentadas pelas mimadas de classe média-alta de Nova York. Não era a mais luxuosa, mas estava entre as mais caras. Haviam muitas lojas de roupas, sapatos, perfumarias, joalherias, é a rua dos sonhos para as garotas do colégio. As vezes quando eu ia a algum lugar e tinha que passar por aquela rua, sempre via as nojentas sondando lojas e mais lojas cheias de sacolas nas mãos. Era interessante saber por onde elas andavam, se é que você me entende.
Escutei a porta do restaurante abrir e quando olhei era Átila, com um sorriso de orelha a orelha.
- Mel, Melzinha, Melinda, você não sabe o que o gatão aqui comprou.
- Uma casa de praia em Saint-Tropez, uma boate em Ibiza ou o quê?
- Há, há. Venha ver então, otária.
Sai do restaurante e ele estava lá, lindo, deslumbrante, seduzindo quem passasse pela rua.
- Não acredito!
Sim, Átila juntava dinheiro desde os 15 anos para comprar um Opala 1974 preto. Tudo bem que o carro não era perfeito, mas estava muito bem cuidado. Boa pintura, bancos bem costurados, lindo e impecável. Eu não sabia o que fazer, porque estava muito feliz por ele. Desde quando éramos pequenos ele dizia que compraria um carro e eu seria a primeira a andar com ele.
- Átila, eu não consigo acreditar.
- Viu Mel, ele não é lindo? Eu te disse que iria comprar um carro, eu disse.
- Você pode ser um ano mais velho que eu, mas daqui um ano pode ter certeza que quem vai querer dirigir seu carro sou eu.
- Acordou ou ainda está sonhando?
- Imbecil. Anda Átila, vamos dar uma volta!
Disse isso, mas estava dentro do carro já. Era tão lindo por dentro quanto por fora.
Pedi para ele me levar à Dacown St. Ele estranhou, mas não exitou e me levou. Estávamos a caminho ao som de AC/DC, com Rock’n’Roll Singer. O som estava bem alto, do jeito que nós gostávamos. O carro era mais interessante ainda e Tilanga me contou tudo, desde o momento que ele chegou no estacionamento até a negociação. De repente eu vejo, quase atravessando a rua, as garotas do colégio.
- Átila, passa naquela poça de água quando as garotas forem atravessar a rua. Sem perguntas, faça o que eu mandei.
Dito e feito. Assim que elas foram atravessar a rua, Átila acelerou e virou a esquina no momento em que elas iriam atravessar.
- Você molhou minha roupa seu idiota!
Até um cidadão que passava ali perto resmungou alguma coisa para nós. Assim que ouvi aquelas vozes irritantes, abri o vidro e gargalhava ao ver a cara do "grupinho rosa" e do enxerido. Nova York ficava cada vez mais interessante. Fomos a um ferro velho atrás de algumas calotas cromadas, mas não compensava compra-las. Depois fomos abastecer e passamos na casa de um amigo de Átila que queria vender alguma coisa para ele, algo relacionado a som, mas não sabia exatamente o que era. Já estava escuro e Tilanga me deixou na porta de casa. Sai do carro, fechei a porta e me abaixei para falar com ele:
- Adorei o passeio hoje.
- Você é louca garota, de verdade.
- Elas merecem muito mais do que aquilo, mas como sou muito boa, não me preocupo muito em criar situações. As vezes eu me pergunto se a situação é que vem até mim.
- Desculpa boa essa. Se eu não te conhecesse, acreditaria em você.
- Até amanhã Tilanga.
E me afastei. Assim que fui para minha casa, parei diante a porta olhando o possante negro pela rua. Ele sumiu e eu entrei.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Gangue da purpurina

Psicose Nova-Iorquina - Capítulo I

Era manhã de uma terça-feira quando eu escutei a merda do despertador tocar. Só não era pior a manhã, porque o colégio era perto de casa e consequentemente eu não acordava muito cedo. Os ponteiros marcavam sete e quinze da manhã quando decidi me levantar da cama e tomar um banho para acabar com aquela preguiça. Sai do banho e peguei a primeira roupa que vi na gaveta. Era um colégio, então eu tinha que colocar algo mais comportado. Peguei uma blusinha em tom pastel, minha calça jeans e coloquei um All Star Skid verde claro que eu tinha. Já disse que não me importava em combinar minhas roupas, apenas coloquei esta porque estava confortável e eu me sentia bem assim. Azar de quem não gostasse. Olhei no relógio e vi que perdi algum tempo trocando de roupa, então peguei uma maçã, minha bolsa, coloquei meus fones no ouvido e logo fui para o colégio ao som de Crossroads, de John Mayer. Chegando lá parecia que o número de estudantes tinha duplicado de ontem para hoje. Como de costume, as meninas me olhavam e riam da forma como eu me vestia, cochichando sem parar na rodinha delas. Pouco ligava para isso, entrei apenas no prédio e fui direto ao meu armário pegar uns livros que havia deixado lá. O sinal tocou e aquela multidão entrou. Fui direto para a sala e logo as garotas vieram tentar me encher:
- Onde estão seus amiguinhos? Não têm? Pecado, deve ser bem difícil isso não é?
E saíram de perto rindo.
Nem liguei. Abri a bolsa, tirei o caderno e joguei o Ipod dentro. Escutei um “bom dia, cada um no seu lugar” e quando olhei fiz aquela cara de sofrimento. Era o professor de física. Não prestava muito atenção, porque realmente não gostava de física, mas isso não quer dizer que ficava de recuperação. Não fiz exercício nenhum, mas fiz algumas anotações das teorias que ele tinha passado até o intervalo. Quando tocou o sinal, fui até a cantina e entrei na fila para pegar um sanduíche. As garotas estavam com suas bandejas e eu acho que elas perceberam minha presença ali. A “líder” da “gangue da purpurina rosa” veio até eu e “esbarrou” em mim.
- Ai, desculpa, acho que derrubei suco na sua roupa.
Eu olhei para ela e vi que ela ria. Dei uma risada mais irônica ainda, peguei meu sanduíche e o copo de suco de uma garota da fila, derrubei nela propositalmente e disse:
- Ops, acho que escorregou.
Ouvi ela retrucar alguma coisa, mas nem liguei. Subi rapidamente as escadas, deixei meu sanduíche na sala e fui ao banheiro. Peguei uns papéis, molhei e passei na minha blusa. Não adiantou muito. Droga. Fui para a sala, assisti à aula de biologia e história. Antes de acabar a aula de história, mandei uma mensagem para o Átila: “Tilanga, leva meu almoço no serviço hoje, não vai dar tempo de almoçar. Vou ter que passar em casa antes para trocar de roupa. Depois de explico e te pago. Beijo”
O Tilanga (como eu chamava carinhosamente o Átila) era meu amigo. Toda terça e sexta-feira ele ia ao restaurante entregar correspondência.
- Seu almoço. O que houve?
- Adivinha?
- A gangue da purpurina lançou o raio rosa-choque mortal sobre você?
- Cinderela derrubou suquinho em mim. Nem esquentei a cabeça. Foi só sujar o vestido de marca que ela já chorou.
- Mel, essas meninas vão tentar fazer você perder a cabeça até morrer.
- E eu com isso? O que você tem nesse embrulho aí? Presente para mim?
Átila levantou o embrulho e guardou no mesmo lugar onde estava meu almoço.
- Presentinho para Alana. É um pingente em formato de coroa, acha que ela vai gostar?
- Claro, do que tua namorada não gosta? Agora vai trabalhar que eu também tenho mais o que fazer.
Dizendo isso, coloquei uma nota e algumas moedas em cima do balcão. Ele pegou e saiu. Durante a tarde, o restaurante não teve muito movimento, então o dia foi tranquilo. Enquanto não estava servindo, sentava atrás do balcão e lia as anotações que fiz pela manhã no colégio. Sai do restaurante e fui para casa, tomei um banho e comecei a ler o livro que a professora de literatura havia pedido. Estava exausta, não aguentei e dormi.

A criança que há em cada um

O tempo passa, nos tornamos adultos e quanto mais idade temos, maiores são nossas responsabilidades e nossos compromissos, mas isso ainda sim não é desculpa para voltarmos um pouquinho no passado e relembrar de quantas vezes não nos sujamos de lama, choramos quando o Papai-Noel não trazia presentes ou caímos de bicicleta. Mas o dia das crianças não é só para crianças. Qual de nós não tem uma criança viva ainda? Quantas vezes, por maiores que possamos ser não sentimos vontade de brincar de esconder, de pegar, jogar bola ou qualquer outra coisa? Quantas vezes, quando estamos em apuros, não sentimos vontade de chorar no colo da mãe enquanto ela faz “cafuné” em nossa cabeça? Quantas vezes desperdiçamos os pequenos momentos por vergonha, por achar que não podemos, só porque somos grandes? Enquanto isso, quantos pequeninos e jovens não queriam estar na rua andando de bicicleta, jogando bola, longe de uma cama de hospital ou longe dos problemas de uma família mal estruturada, onde pais só brigam, onde falta amor e carinho? Portanto, que este não seja o dia só da criança que há em nós, mas que possamos ter um pouco de consideração e lembrar que este é o dia de todas as outras crianças, sem distinção alguma, sem preconceito algum. Feliz dia das crianças a todos vocês! HAHAHA


Primeira foto: 7 meses; segunda foto: 4 anos;
terceira foto: 6 anos

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Psicose Nova-Iorquina

Sai do café e fui andando pela calçada. O dia estava agradável e meu café exalava um delicioso odor forte e quente. Não sou a mais bem vestida, mas pelo menos nua não me encontrava. Era despojada e pouco me importava o que aqueles otários estranhos, os quais nunca me viram na vida, pensavam quando me viam vestindo uma blusa de alcinha, um short de cintura alta curto e meu coturno solto. Meu longo cabelo loiro se perdia no vento e toda vez que eu tentava ajeita-lo, mesmo sabendo do fracasso que seria, meus anéis acabavam bagunçando-o novamente. Meu óculos de sol embaçava toda hora e antes que eu me irritasse com pouquíssima coisa, tirei e coloquei por cima da cabeça. Mensagens chegando, mas nenhuma interessante a não ser promoções ou prazo de recargas. Então enfiei meu celular no bolso e continuei andando, pensando a mesma coisa olhando para diferentes faces. Um turbilhão passava pela minha cabeça e não era nada demais, era apenas indignação de quem não era escrava, seja da moda, seja da rotina Nova-Iorquina, do modo de vida de todos aqueles outros. Ao som de uma música que escutava andava pela calçada, as vezes balançava a cabeça, as vezes murmurava algum trecho do refrão, as vezes batia palmas e ria, fazendo com que todos me olhassem. Otários, digo otários porque estão o tempo todo preocupados com o zelo de sua imagem e esquecem de viver a alegria que sentem, mas isso não significava que eu estivesse feliz. Não. Aquela música era animada e levantava meu astral, embora eu não dispensasse meu doce e adorável Rock’n’Roll. Passando em frente à uma loja de instrumentos musicais, reparei em alguns CD’s que estavam expostos na vitrine e resolvi entrar e entre as prateleiras encontrei aquelas nojentas do colégio, aquelas “filhinhas de papai” mimadas que, quando abrem as bocas, reclamam da unha quebrada, da maquiagem mal feita, da roupa mau passada. Para minha infelicidade, a prateleira de Rock ficava praticamente ao lado de POP e ao perceber que eu estava ali, elas começaram a cochichar, entre risinhos e pequenos gestos. Era sobre mim. Olhei bem para a cara delas e mostrei o dedo a elas.
- Fodam-se, vadiazinhas mimadas.
Sai da loja morrendo de rir sozinha e esbarrando em muitas pessoas que não paravam de me olhar. Me deixem quieta. Esse é o meu jeito. Meu nome é Melina e esse é o começo de uma possível Psicose Nova-Iorquina.

Três de outubro daquele dia

Um “boom” estourou na tarde de três de outubro. A notícia, que foi passada de pessoa para pessoa, se espalhou rapidamente e toda aquela região ficou sabendo do acontecimento. Parecia que um grupo de jovens manifestantes de classe média entraram em uma zona eleitoral com esferas maciças de ferro na mão, pedras e grossos balaústres de madeira e depredaram urnas, rasgaram papéis e toda essa “baderna” resultou no ferimento de oito mesários que trabalhavam no dia da eleição. Houve muito tumulto e muita correria, porque os cidadãos que ainda não tinham votado corriam para as saídas mais próximas, derrubando muitos idosos no chão, empurrando gestantes, ferindo outras pessoas que esperavam sua vez para votar. Enquanto ouviam-se carros cantando os pneus ao redor do prédio e ambulâncias entrando no pátio, muitos policiais já se encontravam dentro do mesmo, com cacetetes e bombas de gás lacrimogêneo, e os enfermeiros iam até os feridos, mas qualquer tentativa de contenção parecia impossível. Eles estavam em grande quantidade e possuíam grande agilidade, eram determinados, destemidos e estavam pouco se importando com os homens da polícia. Luzes brancas começaram a surgir e, seguidas de “snaps”, pouco a pouco os repórteres enchiam o local, que agora parecia um caldeirão fervendo, borbulhando por todos os lados. Houve muita gritaria e muita resistência por parte dos manifestantes e dos policiais, mas pouco a pouco eles foram pegos e levados da maneira brutal aos carros da polícia. Os repórteres grudaram nos vidros dos carros de maneira que parecia com que eles passariam para o lado de dentro por osmose ou algo do tipo. Aos poucos e em alta velocidade, os manifestantes foram levados para a delegacia e por lá todas as medidas judiciais cabíveis a eles foram tomadas. Toda aquela população ferida foi encaminhada à hospitais próximos dali e aqueles que possuíam leves ferimentos foram atendidos nas ambulâncias ali mesmo. No dia seguinte, muros pichados, muito entulho nas valetas, cartazes espalhados por todos os lugares com mensagens como “Chega de espetáculo circense!” ou “Vamos crescer, evoluir!” estavam espalhados pela cidade. Enquanto os garis varriam as ruas, o pessoal que trabalhava para os jornais locais aceleravam suas motos e jogavam a uma certa distância jornais em todas as casas, com a reportagem completa daquele “circo de horrores” que houve no dia anterior. Os cidadãos liam e suas expressões não eram absurdas, pelo menos em meu rosto não. Aqueles manifestantes mereciam apoio, pois o horário eleitoral mais parecia um programa humorístico do que uma prévia de cada candidato para cuidar do nosso país, nosso bebê indefeso que não merecia tanta desgraça. Eu, Dirceu, apoio todo esse protesto e fico indignado com tamanho desprezo por nossa nação. “Que isso sirva para que nossos direitos possam valer alguma coisa.” Acendi meu cigarro e sai com o jornal dobrado debaixo do braço, sentindo que aquele três de outubro chamou a atenção dos palhaços que estão tomando conta deste país.